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A Apologia do Outro

  • Foto do escritor: LM
    LM
  • 15 de abr. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 20 de abr. de 2020


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Podia dizer que estamos fechados em casa há mais de 30 dias. Podia dizer que sinto falta dos amigos, da família, do convívio. Podia ser moralista e dizer que tudo isto é uma lição do planeta. Podia ser politicamente correta e dizer que apesar de estar aborrecida, há gente em situações bem piores. Olhe-se a situação dos profissionais de saúde. Podia dizer tudo isto e seria até certo ponto verdade. Mas não é disso que quero falar. Quero falar-vos do Outro.


Quero falar-vos do facto de que uma criança sem o carinho materno mal consegue sobreviver ou tem, na melhor das hipóteses, muitas dificuldades. Quero falar-vos do facto de que é quando uma mãe se ausenta que o bebé consegue criar uma imagem mental dela e aperceber-se de que a mãe existe fora dele. Quero falar-vos de ausência.


Quero falar-vos de ausência.


Quero falar-vos de ausência, de presença, de espelhos. Quero dizer-vos que por mais que as teorias individualistas nos queiram impingir o autoconhecimento pela exploração do nosso interior, é com o Outro que nos conhecemos. Em oposição ao outro, em comparação com o outro, na constante dicotomia de presença e ausência do outro. Nós só somos nós com o outro. E ele é a nossa derradeira necessidade. Não só para o tão almejado autoconhecimento mas também para a simples consciência de nós. Para a consciência e para a realidade. Somos reais na presença do outro. É com ele que jogamos com os limites do nosso corpo e da nossa mente. Muitos dirão que é impossível, que precisamos estar em contacto connosco e sermos felizes sozinhos antes de sermos felizes em contacto com o outro. Não. Não pelo menos sem termos uma ideia de humano. Não, pelo menos sem um Wilson para nos fazer companhia. Esta quarentena afastou-me dos meus limites humanos e trouxe-me um bem para perto, que ainda estou a descobrir. E penso nisto. Penso quanto de mim é permeável à influência do outro, só pela sua presença. Penso como este Eu está sempre em criação, também pelo outro. O outro é o espelho, é a parede branca, ou a parede preta. O outro é tudo. É com ele que nos descobrimos. E se tudo correr bem é com o outro que nos apaixonamos de novo por nós. Constantemente. Em todas as interações. Apaixonamo-nos de novo. Pelo bom dia do vizinho, pelos óculos estranhos da Sra. da pastelaria, pelos abraços.


O outro é tudo. Não me venham com teorias do autoconhecimento da treta. O outro é tudo. Porque o outro somos nós.

Esta quarentena tirou-nos de nós. Mas não será para sempre.

 
 
 

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